sábado, 25 de agosto de 2007

A História bem na Foto - 4 > Conteúdo

Neste A História bem na Foto - 4 >
Zeca Guimarães > A dor de Tancredo
Antonio Scorza > Troféu de Guerra
Luciana Whitaker > Bala Perdida
Rogério Reis > O Poeta vira Estátua
Masao Goto Filho > Vitória nos Pênaltis
Acesse aqui a série completa:
(veja ao final a relação dos participantes).

Este blog segue o padrão “livri”, ou seja, tem número limitado de postagens
e é editado para leitura de cima para baixo.
Outros blogs complementares poderão ser editados.
Foto do título: Bandeiroso, Aguinaldo Ramos, 2001

Zeca Guimarães > A dor de Tancredo

Inicialmente quero dizer que é muito boa idéia esse tema "A História bem na foto".
Minha contribuição é de 1984, no Hotel Glória, Rio de Janeiro, a serviço da revista "Isto É".
O seu personagem principal, Tancredo Neves, teve uma vida política longa e intensa, encerrada com sua chegada ao Planalto já morto, o marco do fim da ditadura militar de 20 anos.
Ele está no almoço oferecido pela entidade dos empresários cariocas (hoje FIRJAN) em apoio à sua candidatura à Presidência no colégio eleitoral.
Eu gosto da foto em si porque, além do movimento do garçon, Tancredo está com a cabeça no ombro de Rui Barreto e com uma expressão estranha.
Embora não publicada, ela é para mim histórica porque naquele rosto está a dor da doença escondida para não interromper sua ascenção à Presidência em momento tão importante para o país.



Zeca Guimarães > Minha atividade como fotógrafo começou em 1972 e no jornalismo em 1976, no Jornal do Brasil.
Depois fiz parte da Agência F4, fotografei para a revista Isto É, entre outras publicações.
Passei oito anos fora do Brasil, quando colaborei de Nova York para Jornal do Brasil, Estado de São Paulo, O Globo, Manchete, Editora Abril, Folha de São Pauloe para a agência americana Picture Group.
Na volta em 1992 trabalhei mais intensamente para a Folha de São Paulo no Rio e já há muitos anos me dedico principalmente a fotografia de cena (still) de cinema.

Antonio Scorza > Troféu de Guerra

A foto está sempre bem na História? Para mim, o ícone máximo da imagem documental, apesar de não haver mudado nenhum rumo, é o estudante chinês bloqueando os tanques na praça Tianamem. É a imagem máxima do idealismo, um Quixote contra os moinhos tornada realidade.
Ao longo da minha vida profissional passaram várias imagens que foram "históricas". Pessoas pisoteadas em filas de distribuição de alimentos, políticos e militares durante o regime militar, exilados voltando ao país, violência em favelas e no asfalto, um presidente assinando sua renúncia.
O mais marcante foram meus 72 dias no Iraque. Estando lá num período em que ocidentais ainda podiam circular pelas ruas, almoçando com a populacão nos mercados e vivendo – na medida do possível, entre e como eles – compreendi muito. Tive a oportunidade de fotografar seu cotidiano e o das tropas invasoras. Aprendi a respeitar uma cultura que nos chega filtrada por olhos muitas vezes não tão imparciais.
Sem dúvida, em termos de oportunidade jornalística a cobertura de um ataque a um comboio militar de combustíveis pelos mujahedines (guerrilheiros iraquianos) foi a mais representativa. Viajando em direção a Faluja, bastião da resistência iraquiana neste momento, fui parado num posto de controle dos mujahedines e interrogado sobre meus propósitos e direção que seguia, além de ter o carro revistado, em meio a conversas sobre o Brasil, Pelé e Ronaldo Gaúcho. Desta conversa nasceu o inesperado convite para permanecer naquele local e acompanhar "em 15 minutos" o ataque ao comboio. Inicialmente agradeci e recusei, avaliando pouco provável tal "precisão" e a falta de locais seguros para proteção.
Logo de avançar uns 5 minutos de carro, ouço uma grande explosão e vejo uma gigantesca nuvem negra encobrindo todo o céu e o complexo de viadutos na estrada atrás de mim. Peço ao motorista/segurança/tradutor que retorne imediatamente, e, apesar de recusar inicialmente, acaba concordando, e me junto aos guerrilheiros que atacavam 3 caminhões-tanques, retirando e matando seus motoristas, ex-soldados mercenários – supostamente, apesar de contar com apoio militar oficial, o transporte é feito por "empresas privadas".
As fotos se sucediam em ondas, avançando junto com os mujahedines e recuando, quando havia reação de parte dos norte-americanos, na busca do enquadramento. Quase impossível enquadrar com a tele-objetiva os caminhões em chamas, e com a grande angular insuficiente para "acolher" todos os vitoriosos à minha frente, agitando Kaleshnikovs e bandeiras do Iraque.
A foto-chave do ataque foi feita num último clique, já me despedindo dos guerrilheiros, quando um deles aparece agitando as botas militares de um dos mercenários (1.200 dólares/dia de salario), sorrindo.




Fotos de ataques são rotina nesta cobertura, mas esta imagem era nova, exclusiva, e para mim um verdadeiro ícone – até por ser uma imagem nova – do sucesso, o famoso "troféu de guerra", publicada em primeira página pelos principais jornais do mundo. Um contraponto final à minha cobertura, que abrangeu a vida cotidiana – o mercado, a insegurança dos civis, as preces nas mesquitas, o trabalho no campo, invasões de prédios públicos, as comemorações da Páscoa católica, visitas de familiares à penitenciária de Abhu Graib, a miséria de Sadhr City – onde são recrutados os guerrilheiros (tão sem perspectivas quanto nossos "soldados do tráfico") –, coletivas de imprensa com os militares ingleses, estadia de 3 semanas em bases norte-americanas, café com soldados iltalianos, cerveja com espanhóis e fotos com poloneses sobre um tanque.
Não, a história não mudou desse lado do mundo. Mas mostrei ambos os lados, profissionalmente, em seus melhores e piores ângulos. Tendencioso, certamente. Foi enriquecedor e definitivo ver a mesma imagem – as botas – impressas em primeiras páginas ocidentais e orientais com opostas interpretações. Isso talvez seja a História. Do homem...


Antonio Scorza > começou a fotografar no jornal Última Hora. Passou pelo Jornal do Commercio e O Fluminense, voltou para o UH e fundou a Fotossíntese, primeira agência cooperativada. Depois foi para O Globo, mas foi convidado para a agência France Presse em 1986. Na AFP desde o começo do seu serviço fotográfico, foi durante 10 anos seu único fotógrafo no Brasil. A partir daí, ampliou a atuação da France Presse no Brasil e, com a contratação de 3 outros fotógrafos aumentou a produção de fotos. Em 24 anos de carreira, sua maior preocupação é mostrar outros aspectos do país, além de futebol, violência e samba. Recebeu três prêmios em 2000: Melhor Fotógrafo de Esporte do Ano, pelo COI; A Foto do Ano, pela NPPA; e Menção Honrosa na categoria Natureza e Entretenimento (World Press Photo). Sua preferência é por seqüências fotográficas que "traduzam" a política.

Luciana Whitaker > Bala Perdida

Acho que foi num plantão de sábado quando eu coordenava a fotografia da sucursal carioca da Folha de S. Paulo que fiz essa foto. Aquela hora o jornal já estava quase fechado. Foi na Tijuca. Teve um assalto a um carro forte e uma senhora de 42 anos chamada Elvia Monteiro da Silva (seu nome ficou impresso em minha memória) estava dirigindo alí perto, parada no sinal vermelho, seu marido ao lado e a filha no banco de trás. Com o tiroteio entre policiais e os ladrões do carro forte, uma bala perdida atravessou o pára-brisas e atingiu em cheio o cérebro da senhora.

Quando estava tirando a foto, lembro que um outro fotógrafo falou assim para mim: “Tem um polarizador aí? O reflexo está péssimo.” E emprestei o polarizador, mas sabia que a foto precisava do reflexo do céu para suavizar a dureza da imagem.




A foto chegou a entrar no jornal, mas saiu em preto e branco, mal impressa, quase desapercebida numa página interna do caderno de cotidiano. A Folha parece não ter dado muita atenção a essa foto. Mas lembro que recebi alguns fax e telefonemas de jornalistas conceituados elogiando minha foto.

No dia seguinte encontrei um amigo fotógrafo na rua. Quando me perguntou como eu estava, comecei a chorar ainda engasgada com a violência do que tinha presenciado. Tinha sido uma semana de fotos barra-pesada.

Na semana seguinte uma das revistas semanais, não sei se a Veja ou a IstoÉ deu bem a foto numa matéria sobre a violência urbana carioca.

A foto foi indicada ao prêmio Esso 1994 e acabei levando a menção honrosa.

Quando o fotógrafo da Magnum Josef Koudelka veio ao Brasil, viu essa foto numa exposição em São Paulo e depois no Rio, veio falar comigo sobre ela. Adorei, ele é um dos meus fotógrafos preferidos.

Essa é a história da minha foto. Para mim ela é importante por tudo isso e por mostrar a crueza da violência urbana da minha cidade com uma imagem tão violenta e delicada ao mesmo tempo.

Luciana Whitaker > começou a trabalhar para jornal no New York Newsday em 1988. De volta ao Brasil trabalhou por oito anos na Folha de S. Paulo, seis deles como editora da sucursal do Rio de Janeiro, cobrindo de viagens internacionais com o presidente ao tráfico de drogas nas favelas. De 1996 a 2004 morou com esquimós no extremo norte do Alasca, documentando a cultura e a tradicional caça de baleias. Hoje em dia Luciana vive entre o Rio e o Alasca, fotografando para veículos jornalísticos como Folha de S. Paulo, Reuters, Isto É, Anchorage Daily News, o governo esquimó em Barrow, Alasca e agências de arquivo como Olhar e Pulsar Imagens. Está produzindo um livro editado pela Ediouro e um documentário sobre sua vida com os esquimós.

Rogério Reis > O Poeta vira Estátua

Transcrição do depoimento de Rogério Reis (gravado em 07 de maio de 2007), a respeito de sua foto do poeta Carlos Drummond de Andrade na Praia de Copacabana (1982), reproduzida em bronze pelo escultor Leo Santana.

Foto histórica?... A foto do poeta Carlos Drummond de Andrade, a que hoje é estátua, ali na na Av. Atlântica... Todo mundo pára ali... Dá um peteleco nele, senta para conversar... É a foto que deu origem à forma da estátua, então acho que é...
Foi uma foto que eu fiz no período da Veja. Enfim, foi uma foto construída. Porque estava na casa dele e pedi para ele ir até a praia. E lá fizemos essa foto.
Eu lembro que o Drummond me perguntou assim: “por que você está pedindo para eu ficar de costas para o mar?” Como bom mineiro, né ?... Enfim...
“Por que você está pedindo para eu ficar de costas para o mar?”...
E eu disse: “não... [Rogério gagueja] É porque... A minha proposta aqui é que o leitor veja o mar, por isso é que você está de costas para o mar...”
[Rogério imita Drummond] “Ah!...Então tá!... Vamos homenagear os leitores!”


E, aí, foi isso... Ele foi até a praia... Ele não costumava caminhar na direção de Copacabana. Eu sei, que era vizinho dele, ali no posto 6... Ele sempre caminhava em direção ao Leblon...
Outra coisa que... Curiosidade que posso contar também, é que no dia da inauguração da estátua fui convidado...E tava lá... E o nosso prefeito César Maia... De improviso, não sei, não pesquisou, não se preparou, supôs que o Drummond... Err... Ele supôs... Achava que o Drummond andava diariamente ali, não sei baseado em quê, né?... E aí o César Maia, o prefeito, diz assim, que, naquele ato solene – ... ali... com microfone...a imprensa presente – ele diz assim: “Estamos inaugurando a estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade, nessa praia tão bonita de Copacabana – foi mais ou menos assim, né – tão bonita de Copacabana, onde o poeta diariamente passava, refletia e criava seus versos”, não-sei-o-quê...
O Drummond, né?... Nesse momento o neto do Drummond, o Pedro, os editores do Drummond se olharam e disseram, pensaram: “pôxa, o que tá acontecendo?”... Né ?... “Não é o Drummond”. Porque o Drummond não tinha o hábito de caminhar na praia.

Então, por que você acha que essa foto serve de referência?

Eu acho que deve ter sido... Eu nunca investiguei isso, mas deve ter sido pela... Pelo projeto de localização da estátua... Eu acho que eles devem ter decidido assim: “vamos botar a estátua do Drummond aonde?... Drummond morou em Copacabana, no posto 6. Então, o melhor lugar para se colocar uma estátua não vai ser na Barata Ribeiro... Vamos botar na praia, porque é um lugar visitado, mais amplo, mais aberto...”
Um ponto turístico, né?... E eu acho que pesquisaram e chegaram a... “Será que existe uma foto?... Será?... Aqui tem uma foto do Drummond, que eu já vi publicada. Ela – a foto – já foi publicada algumas vezes. Que ele está sentado num banco da praça...”
E aí concluíram, “vamo bota ele lá”... E reproduziram a foto.

Você acha que representa bem o Drummond, essa foto-estátua?

Eu acho que não... Acho que... Eu fotografei o Drummond várias vezes, principalmente quando ele fez 80 anos. Eu acho que a minha foto que representa o Drummond na sua intimidade, em casa, é ele sentado no chão da sala, né?
Que eu tava fazendo um ensaio com ele em casa, ele no escritório, na sala. Tava fazendo um perfil do Drummond. Ele em casa, andando, na rua, na sala, no escritório, e aí, de repente eu perguntei para ele – já tinha uma certa intimidade, por estar ali há algum tempo –, avancei e perguntei: “poeta o que é que gostaria de fazer, que o senhor faz em casa mas que não foi fotografado?”
Eu estava falando da intimidade, eu queria avançar um pouquinho por aí, né?, tentando seduzir ele para fazer uma foto mais íntima.
E ele disse: “olha... Tem uma coisa que é estranho pra burro, nunca fotografaram, mas também não sei se pega bem, que é.... Eu gosto de sentar no chão...”
“Perfeitamente, senhor – fiz uma alavanca –, “o senhor senta aqui”, e coisa e tal... E aí, fiz essa foto...

Eu acho que essa foto, para mim, ela representa mais o Drummond na sua intimidade, dele, do que ele na praia, sentado num banco, onde ele nunca... Não costumava freqüentar... Um lugar que ele não costumava freqüentar.

Mas representa a relação dele (Drummond) com a cidade?


Eu acho que sim... Rio de Janeiro... Tá ali, numa área aberta... Não deixa de representar...
Mas eu gosto mais da outra!...




Rogério Reis > nasceu em abril de 1954 no Rio de Janeiro e descobriu a fotografia nas oficinas de arte do MAM-Museu de Arte Moderna, nos anos 70. Trabalhou no Jornal do Brasil (1977), no O Globo (1980), na revista Veja (1983), e participou do Grupo F4 de fotógrafos independentes dos anos 80. Durante 3 anos seguidos (85 a 87), fotografou Ayrton Senna para o Banco Nacional, a convite da agência de publicidade MPM. Foi durante 5 anos editor de fotografia do Jornal do Brasil (91 a 96). Em 1999 recebeu o Prêmio Nacional de Fotografia da Funarte. Inspirou e emprestou seu nome ao personagem do fotógrafo no filme Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, baseado no livro do escritor Paulo Lins. Em 2007 passa a integrar o grupo de fotógrafos do projeto da UNESCO, Our Place - the Photographic Celebration of the World's Heritage.
É um dos fundadores da Tyba (1991), onde trabalha como editor de projetos especiais; autor do livro Na Lona, Editora Aeroplano (2001) e co-autor dos livros Revisitando a Amazônia de Carlos Chagas - Editora Fiocruz (1996) e Retratos de Outono - Editora Sextante (1999).

Masao Goto Filho > Vitória nos Pênaltis

Eu nunca fui um grande aficionado por futebol, embora freqüentasse o Maracanã e torcesse – como ainda torço – pelo Flamengo. Sem esforço poderia dar a escalação do Brasil na Copa de 70; um pouquinho mais concentrado ditaria a de 1982. Fora essas... talvez a de 1994, mas pelo único motivo de ter participado da equipe que cobriu a Copa dos EUA pelo O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde. Se a sua memória é ruim como a minha, puxe pelo que interessa: no ataque tínhamos Bebeto e Romário.
Quando chegamos à final contra a Itália, em Pasadina, o time ainda era desacreditado. Passou despercebido pela nossa equipe, dias antes da final, o anúncio das regras de cobertura para a entrega da taça ao campeão. Fiquei pensando como seria e fui perguntar ao chefe de imprensa da FIFA, responsável pelos fotógrafos. Fiquei sabendo que a própria entidade determinaria quem subiria à tribuna para essa cobertura e que apenas 5 fotógrafos brasileiros seriam contemplados – haveria mais outros 5 italianos, algumas agências internacionais e um cinegrafista. Até aqui, os critérios da escolha não eram conhecidos, mas imaginei que fosse o alcance em número de leitores. Expliquei a ele que nossa equipe representava uma agência de notícias (Agência Estado) e dois jornais, um deles com grande alcance, etc. Ele me disse que era bom saber disso e que eu escrevesse a mão mesmo tudo aquilo.
Documentar o capitão do time levantando a taça é um registro histórico para qualquer torcida, mas vamos considerar as proporções do momento: a taça era a Copa do Mundo, o time era a seleção brasileira e a torcida era uma nação. Mas nada disso vinha realmente à mente e nosso esforço tinha curto prazo: o que interessava era fazer uma foto importante e para isso tínhamos que ter aquela credencial. Acho que essa é sempre nossa primeira meta: temos um trabalho a ser feito.
A listagem dos credenciados saiu e nós estávamos incluídos. A constante caça ao chefe da imprensa da FIFA ajudou, mas os critérios, que deixaram importantes jornais de fora – a tiragem e o alcance – é que realmente definiram as cincos publicações brasileiras. Receberíamos um imenso crachá que ficaria virado para trás. Quando faltassem 15 minutos para o final da partida, um representante da FIFA passaria ao redor do campo chamando quem estivesse com esse crachá à mostra para que subisse à tribuna. Simples assim. Não tão simples foi definir quem de nossa equipe receberia essa credencial. Ninguém se apresentou. Parecia uma batata quente. Eu me lembrava da máxima "pênalti é tão importante que quem deveria bater é o presidente do clube". Eu era quase o roupeiro.
Para economizar, lá estava eu, no gramado do Rose Bowel, com um imenso crachá nas costas, os nervos explodindo e tão espremido em um banco corrido de madeira que minha 400 mm batia na cabeça de um fotógrafo americano quando eu mirava a grande área e a dele me acertava nos lances da lateral. A respiração de vez em quando falhava. O gol não saia e eu tomava com a lente do americano na cabeça. Mas eu não podia ficar nervoso (ah ah ah).
Esgotaram-se os 90 minutos oficiais, começou a prorrogação e ninguém veio me chamar. O campeão poderia sair a qualquer momento, com o golden goal. Por sorte, vi (novamente) o chefe de imprensa e lhe avisei. Ele sumiu por alguns instantes e voltou acompanhado: "Vá imediatamente com esse rapaz para a entrada das tribunas". Quando cheguei lá eu era o último dos brasileiros. Como o jornal já havia me avisado, por causa de um anúncio a foto da primeira página era horizontal. Olhei ao redor, só imaginava um monte de fotógrafos se levantando na minha frente. Resolvi ir para o outro lado da tribuna onde só tinha o cinegrafista porque achei que teria mais espaço e Dunga, o último a entrar segundo o protocolo, mostraria a taça para o time. Depois que eu passei o segurança do vice-presidente americano não deixou mais ninguém passar e ainda disse algo como não me deixar ficar ali. Uma mulher, que eu não conhecia, comprou a briga e me protegeu do sujeito imenso, de óculos escuros e fone no ouvido. Uma das frases que eu consegui ouvir era "ele vai ficar porque este é um país livre".
Àquela altura, o coração saía pela boca e eu quase torci para que os italianos ganhassem e eu não passasse sequer pela possibilidade de perder uma foto tão importante. O sol era forte, uma das câmeras F4 estava com lente 24 mm e filme 200 ASA para eu poder usar flash, a outra com zoom 30-70 mm e filme 400 ASA, o drive das duas estava no modo rápido e eu já tinha decidido que ia "filmar" a cena. Na horizontal, não podia esquecer.
Assisti às cobranças de pênalti lá de cima. Quando acabou nada havia me tomado, nenhum sentimento. Tentava entender como seria a cerimônia. Os italianos foram chegando, a comissão técnica brasileira, Parreira, Branco, Romário.... Dunga ia receber a taça. Quando me vi estava em cima de uma grade, com o segurança puxando minha perna, Dunga virado para o outro lado e eu gritando para que ele virasse para o time. Apertei o botão e só soltei quando consegui respirar. Essa foto é única. Tem Al Gore (então vice-presidente dos EUA), João Havelange, Joseph Blater (presidente da FIFA) e até o ex-presidente George Bush. Tem o capitão da seleção gritando com seu time, o que dá emoção, mas, o que realmente interessa, é que tem Romário, ansioso por pegar a taça. O editor que estava em São Paulo pediu "uma outra opção". A opção foi pelo registro do momento histórico. Ainda hoje, é a hora em que o capitão levanta a taça.




Foto de Masao Goto Filho, Copa do Mundo nos EUA, 1994, para O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde e Agência Estado. Câmera Nikon F4 – lente 24 mm – automático – flash TTL.


Por acaso cobri a Copa seguinte, na França, e entendi que, se o Brasil fosse campeão, a imagem feita nos EUA já não teria o mesmo valor pois já haveria outra, mais recente. Afinal, apesar de ser um registro importante, a foto de 1994 nunca foi um ícone. Fazendo uma comparação, a foto de Reginaldo Manente na Copa da Espanha, em 1982, com um menino chorando a derrota do Brasil para a Itália é muito mais conhecida e, essa sim, um ícone. O porquê deve estar ligado à nossa emoção e afetividade: talvez seja melhor nos lembrarmos dos jogos com Zico, Sócrates e Falcão do que os com Mauro Silva, Dunga e Romário.

Masao Goto Filho > Trabalhei como freelancer no Rio até me mudar para São Paulo, em 1988, para ser fotógrafo da Folha de S. Paulo. Depois trabalhei para o Estado de S. Paulo durante a restruturação da Agência Estado e no primeiro ano e meio da revista Época. Após sete anos como freelancer, fui ser editor do Diário do Comércio, de onde saí para fundar o e-SIM, escritório de fotografia que aponta prioritariamente para o jornalismo em sua produção.

A série A História bem na Foto

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A História bem na Foto >



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Depoimento do autor, Aguinaldo Ramos

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A História bem na Foto - 3 >

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Américo Vermelho > O enterro de D. Lyda
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