Ao longo da minha vida profissional passaram várias imagens que foram "históricas". Pessoas pisoteadas em filas de distribuição de alimentos, políticos e militares durante o regime militar, exilados voltando ao país, violência em favelas e no asfalto, um presidente assinando sua renúncia.
O mais marcante foram meus 72 dias no Iraque. Estando lá num período em que ocidentais ainda podiam circular pelas ruas, almoçando com a populacão nos mercados e vivendo – na medida do possível, entre e como eles – compreendi muito. Tive a oportunidade de fotografar seu cotidiano e o das tropas invasoras. Aprendi a respeitar uma cultura que nos chega filtrada por olhos muitas vezes não tão imparciais.
Sem dúvida, em termos de oportunidade jornalística a cobertura de um ataque a um comboio militar de combustíveis pelos mujahedines (guerrilheiros iraquianos) foi a mais representativa. Viajando em direção a Faluja, bastião da resistência iraquiana neste momento, fui parado num posto de controle dos mujahedines e interrogado sobre meus propósitos e direção que seguia, além de ter o carro revistado, em meio a conversas sobre o Brasil, Pelé e Ronaldo Gaúcho. Desta conversa nasceu o inesperado convite para permanecer naquele local e acompanhar "em 15 minutos" o ataque ao comboio. Inicialmente agradeci e recusei, avaliando pouco provável tal "precisão" e a falta de locais seguros para proteção.
Logo de avançar uns 5 minutos de carro, ouço uma grande explosão e vejo uma gigantesca nuvem negra encobrindo todo o céu e o complexo de viadutos na estrada atrás de mim. Peço ao motorista/segurança/tradutor que retorne imediatamente, e, apesar de recusar inicialmente, acaba concordando, e me junto aos guerrilheiros que atacavam 3 caminhões-tanques, retirando e matando seus motoristas, ex-soldados mercenários – supostamente, apesar de contar com apoio militar oficial, o transporte é feito por "empresas privadas".
As fotos se sucediam em ondas, avançando junto com os mujahedines e recuando, quando havia reação de parte dos norte-americanos, na busca do enquadramento. Quase impossível enquadrar com a tele-objetiva os caminhões em chamas, e com a grande angular insuficiente para "acolher" todos os vitoriosos à minha frente, agitando Kaleshnikovs e bandeiras do Iraque.
A foto-chave do ataque foi feita num último clique, já me despedindo dos guerrilheiros, quando um deles aparece agitando as botas militares de um dos mercenários (1.200 dólares/dia de salario), sorrindo.
Fotos de ataques são rotina nesta cobertura, mas esta imagem era nova, exclusiva, e para mim um verdadeiro ícone – até por ser uma imagem nova – do sucesso, o famoso "troféu de guerra", publicada em primeira página pelos principais jornais do mundo. Um contraponto final à minha cobertura, que abrangeu a vida cotidiana – o mercado, a insegurança dos civis, as preces nas mesquitas, o trabalho no campo, invasões de prédios públicos, as comemorações da Páscoa católica, visitas de familiares à penitenciária de Abhu Graib, a miséria de Sadhr City – onde são recrutados os guerrilheiros (tão sem perspectivas quanto nossos "soldados do tráfico") –, coletivas de imprensa com os militares ingleses, estadia de 3 semanas em bases norte-americanas, café com soldados iltalianos, cerveja com espanhóis e fotos com poloneses sobre um tanque.
Não, a história não mudou desse lado do mundo. Mas mostrei ambos os lados, profissionalmente, em seus melhores e piores ângulos. Tendencioso, certamente. Foi enriquecedor e definitivo ver a mesma imagem – as botas – impressas em primeiras páginas ocidentais e orientais com opostas interpretações. Isso talvez seja a História. Do homem...
Antonio Scorza > começou a fotografar no jornal Última Hora. Passou pelo Jornal do Commercio e O Fluminense, voltou para o UH e fundou a Fotossíntese, primeira agência cooperativada. Depois foi para O Globo, mas foi convidado para a agência France Presse em 1986. Na AFP desde o começo do seu serviço fotográfico, foi durante 10 anos seu único fotógrafo no Brasil. A partir daí, ampliou a atuação da France Presse no Brasil e, com a contratação de 3 outros fotógrafos aumentou a produção de fotos. Em 24 anos de carreira, sua maior preocupação é mostrar outros aspectos do país, além de futebol, violência e samba. Recebeu três prêmios em 2000: Melhor Fotógrafo de Esporte do Ano, pelo COI; A Foto do Ano, pela NPPA; e Menção Honrosa na categoria Natureza e Entretenimento (World Press Photo). Sua preferência é por seqüências fotográficas que "traduzam" a política.
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