sábado, 25 de agosto de 2007

Antonio Scorza > Troféu de Guerra

A foto está sempre bem na História? Para mim, o ícone máximo da imagem documental, apesar de não haver mudado nenhum rumo, é o estudante chinês bloqueando os tanques na praça Tianamem. É a imagem máxima do idealismo, um Quixote contra os moinhos tornada realidade.
Ao longo da minha vida profissional passaram várias imagens que foram "históricas". Pessoas pisoteadas em filas de distribuição de alimentos, políticos e militares durante o regime militar, exilados voltando ao país, violência em favelas e no asfalto, um presidente assinando sua renúncia.
O mais marcante foram meus 72 dias no Iraque. Estando lá num período em que ocidentais ainda podiam circular pelas ruas, almoçando com a populacão nos mercados e vivendo – na medida do possível, entre e como eles – compreendi muito. Tive a oportunidade de fotografar seu cotidiano e o das tropas invasoras. Aprendi a respeitar uma cultura que nos chega filtrada por olhos muitas vezes não tão imparciais.
Sem dúvida, em termos de oportunidade jornalística a cobertura de um ataque a um comboio militar de combustíveis pelos mujahedines (guerrilheiros iraquianos) foi a mais representativa. Viajando em direção a Faluja, bastião da resistência iraquiana neste momento, fui parado num posto de controle dos mujahedines e interrogado sobre meus propósitos e direção que seguia, além de ter o carro revistado, em meio a conversas sobre o Brasil, Pelé e Ronaldo Gaúcho. Desta conversa nasceu o inesperado convite para permanecer naquele local e acompanhar "em 15 minutos" o ataque ao comboio. Inicialmente agradeci e recusei, avaliando pouco provável tal "precisão" e a falta de locais seguros para proteção.
Logo de avançar uns 5 minutos de carro, ouço uma grande explosão e vejo uma gigantesca nuvem negra encobrindo todo o céu e o complexo de viadutos na estrada atrás de mim. Peço ao motorista/segurança/tradutor que retorne imediatamente, e, apesar de recusar inicialmente, acaba concordando, e me junto aos guerrilheiros que atacavam 3 caminhões-tanques, retirando e matando seus motoristas, ex-soldados mercenários – supostamente, apesar de contar com apoio militar oficial, o transporte é feito por "empresas privadas".
As fotos se sucediam em ondas, avançando junto com os mujahedines e recuando, quando havia reação de parte dos norte-americanos, na busca do enquadramento. Quase impossível enquadrar com a tele-objetiva os caminhões em chamas, e com a grande angular insuficiente para "acolher" todos os vitoriosos à minha frente, agitando Kaleshnikovs e bandeiras do Iraque.
A foto-chave do ataque foi feita num último clique, já me despedindo dos guerrilheiros, quando um deles aparece agitando as botas militares de um dos mercenários (1.200 dólares/dia de salario), sorrindo.




Fotos de ataques são rotina nesta cobertura, mas esta imagem era nova, exclusiva, e para mim um verdadeiro ícone – até por ser uma imagem nova – do sucesso, o famoso "troféu de guerra", publicada em primeira página pelos principais jornais do mundo. Um contraponto final à minha cobertura, que abrangeu a vida cotidiana – o mercado, a insegurança dos civis, as preces nas mesquitas, o trabalho no campo, invasões de prédios públicos, as comemorações da Páscoa católica, visitas de familiares à penitenciária de Abhu Graib, a miséria de Sadhr City – onde são recrutados os guerrilheiros (tão sem perspectivas quanto nossos "soldados do tráfico") –, coletivas de imprensa com os militares ingleses, estadia de 3 semanas em bases norte-americanas, café com soldados iltalianos, cerveja com espanhóis e fotos com poloneses sobre um tanque.
Não, a história não mudou desse lado do mundo. Mas mostrei ambos os lados, profissionalmente, em seus melhores e piores ângulos. Tendencioso, certamente. Foi enriquecedor e definitivo ver a mesma imagem – as botas – impressas em primeiras páginas ocidentais e orientais com opostas interpretações. Isso talvez seja a História. Do homem...


Antonio Scorza > começou a fotografar no jornal Última Hora. Passou pelo Jornal do Commercio e O Fluminense, voltou para o UH e fundou a Fotossíntese, primeira agência cooperativada. Depois foi para O Globo, mas foi convidado para a agência France Presse em 1986. Na AFP desde o começo do seu serviço fotográfico, foi durante 10 anos seu único fotógrafo no Brasil. A partir daí, ampliou a atuação da France Presse no Brasil e, com a contratação de 3 outros fotógrafos aumentou a produção de fotos. Em 24 anos de carreira, sua maior preocupação é mostrar outros aspectos do país, além de futebol, violência e samba. Recebeu três prêmios em 2000: Melhor Fotógrafo de Esporte do Ano, pelo COI; A Foto do Ano, pela NPPA; e Menção Honrosa na categoria Natureza e Entretenimento (World Press Photo). Sua preferência é por seqüências fotográficas que "traduzam" a política.

Nenhum comentário: