sábado, 25 de agosto de 2007

Masao Goto Filho > Vitória nos Pênaltis

Eu nunca fui um grande aficionado por futebol, embora freqüentasse o Maracanã e torcesse – como ainda torço – pelo Flamengo. Sem esforço poderia dar a escalação do Brasil na Copa de 70; um pouquinho mais concentrado ditaria a de 1982. Fora essas... talvez a de 1994, mas pelo único motivo de ter participado da equipe que cobriu a Copa dos EUA pelo O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde. Se a sua memória é ruim como a minha, puxe pelo que interessa: no ataque tínhamos Bebeto e Romário.
Quando chegamos à final contra a Itália, em Pasadina, o time ainda era desacreditado. Passou despercebido pela nossa equipe, dias antes da final, o anúncio das regras de cobertura para a entrega da taça ao campeão. Fiquei pensando como seria e fui perguntar ao chefe de imprensa da FIFA, responsável pelos fotógrafos. Fiquei sabendo que a própria entidade determinaria quem subiria à tribuna para essa cobertura e que apenas 5 fotógrafos brasileiros seriam contemplados – haveria mais outros 5 italianos, algumas agências internacionais e um cinegrafista. Até aqui, os critérios da escolha não eram conhecidos, mas imaginei que fosse o alcance em número de leitores. Expliquei a ele que nossa equipe representava uma agência de notícias (Agência Estado) e dois jornais, um deles com grande alcance, etc. Ele me disse que era bom saber disso e que eu escrevesse a mão mesmo tudo aquilo.
Documentar o capitão do time levantando a taça é um registro histórico para qualquer torcida, mas vamos considerar as proporções do momento: a taça era a Copa do Mundo, o time era a seleção brasileira e a torcida era uma nação. Mas nada disso vinha realmente à mente e nosso esforço tinha curto prazo: o que interessava era fazer uma foto importante e para isso tínhamos que ter aquela credencial. Acho que essa é sempre nossa primeira meta: temos um trabalho a ser feito.
A listagem dos credenciados saiu e nós estávamos incluídos. A constante caça ao chefe da imprensa da FIFA ajudou, mas os critérios, que deixaram importantes jornais de fora – a tiragem e o alcance – é que realmente definiram as cincos publicações brasileiras. Receberíamos um imenso crachá que ficaria virado para trás. Quando faltassem 15 minutos para o final da partida, um representante da FIFA passaria ao redor do campo chamando quem estivesse com esse crachá à mostra para que subisse à tribuna. Simples assim. Não tão simples foi definir quem de nossa equipe receberia essa credencial. Ninguém se apresentou. Parecia uma batata quente. Eu me lembrava da máxima "pênalti é tão importante que quem deveria bater é o presidente do clube". Eu era quase o roupeiro.
Para economizar, lá estava eu, no gramado do Rose Bowel, com um imenso crachá nas costas, os nervos explodindo e tão espremido em um banco corrido de madeira que minha 400 mm batia na cabeça de um fotógrafo americano quando eu mirava a grande área e a dele me acertava nos lances da lateral. A respiração de vez em quando falhava. O gol não saia e eu tomava com a lente do americano na cabeça. Mas eu não podia ficar nervoso (ah ah ah).
Esgotaram-se os 90 minutos oficiais, começou a prorrogação e ninguém veio me chamar. O campeão poderia sair a qualquer momento, com o golden goal. Por sorte, vi (novamente) o chefe de imprensa e lhe avisei. Ele sumiu por alguns instantes e voltou acompanhado: "Vá imediatamente com esse rapaz para a entrada das tribunas". Quando cheguei lá eu era o último dos brasileiros. Como o jornal já havia me avisado, por causa de um anúncio a foto da primeira página era horizontal. Olhei ao redor, só imaginava um monte de fotógrafos se levantando na minha frente. Resolvi ir para o outro lado da tribuna onde só tinha o cinegrafista porque achei que teria mais espaço e Dunga, o último a entrar segundo o protocolo, mostraria a taça para o time. Depois que eu passei o segurança do vice-presidente americano não deixou mais ninguém passar e ainda disse algo como não me deixar ficar ali. Uma mulher, que eu não conhecia, comprou a briga e me protegeu do sujeito imenso, de óculos escuros e fone no ouvido. Uma das frases que eu consegui ouvir era "ele vai ficar porque este é um país livre".
Àquela altura, o coração saía pela boca e eu quase torci para que os italianos ganhassem e eu não passasse sequer pela possibilidade de perder uma foto tão importante. O sol era forte, uma das câmeras F4 estava com lente 24 mm e filme 200 ASA para eu poder usar flash, a outra com zoom 30-70 mm e filme 400 ASA, o drive das duas estava no modo rápido e eu já tinha decidido que ia "filmar" a cena. Na horizontal, não podia esquecer.
Assisti às cobranças de pênalti lá de cima. Quando acabou nada havia me tomado, nenhum sentimento. Tentava entender como seria a cerimônia. Os italianos foram chegando, a comissão técnica brasileira, Parreira, Branco, Romário.... Dunga ia receber a taça. Quando me vi estava em cima de uma grade, com o segurança puxando minha perna, Dunga virado para o outro lado e eu gritando para que ele virasse para o time. Apertei o botão e só soltei quando consegui respirar. Essa foto é única. Tem Al Gore (então vice-presidente dos EUA), João Havelange, Joseph Blater (presidente da FIFA) e até o ex-presidente George Bush. Tem o capitão da seleção gritando com seu time, o que dá emoção, mas, o que realmente interessa, é que tem Romário, ansioso por pegar a taça. O editor que estava em São Paulo pediu "uma outra opção". A opção foi pelo registro do momento histórico. Ainda hoje, é a hora em que o capitão levanta a taça.




Foto de Masao Goto Filho, Copa do Mundo nos EUA, 1994, para O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde e Agência Estado. Câmera Nikon F4 – lente 24 mm – automático – flash TTL.


Por acaso cobri a Copa seguinte, na França, e entendi que, se o Brasil fosse campeão, a imagem feita nos EUA já não teria o mesmo valor pois já haveria outra, mais recente. Afinal, apesar de ser um registro importante, a foto de 1994 nunca foi um ícone. Fazendo uma comparação, a foto de Reginaldo Manente na Copa da Espanha, em 1982, com um menino chorando a derrota do Brasil para a Itália é muito mais conhecida e, essa sim, um ícone. O porquê deve estar ligado à nossa emoção e afetividade: talvez seja melhor nos lembrarmos dos jogos com Zico, Sócrates e Falcão do que os com Mauro Silva, Dunga e Romário.

Masao Goto Filho > Trabalhei como freelancer no Rio até me mudar para São Paulo, em 1988, para ser fotógrafo da Folha de S. Paulo. Depois trabalhei para o Estado de S. Paulo durante a restruturação da Agência Estado e no primeiro ano e meio da revista Época. Após sete anos como freelancer, fui ser editor do Diário do Comércio, de onde saí para fundar o e-SIM, escritório de fotografia que aponta prioritariamente para o jornalismo em sua produção.

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